Há jogos que tentam ser maiores, mais bonitos e mais épicos que seus antecessores. Ghost of Yōtei faz tudo isso com muito refino, mas o que realmente o diferencia é o sentimento que ele desperta. Da primeira cena ao último duelo sob o céu dos campos de Yotei, é um jogo que entende o peso do legado que carrega e o transforma em algo novo, intenso e profundamente recompensador.
Yotei não é só uma sequência de Ghost of Tsushima, é a evolução natural de uma fórmula que já era brilhante, agora refinada até o limite da arte.
Uma ambientação que respira e congela
Yōtei é deslumbrante. Pode parecer clichê dizer isso, mas não tem jeito, cada cenário parece uma pintura viva: monte coberto de neve, florestas cobertas por folhas de sakura, cachoeiras, vagalumes iluminando fontes termais durante à noite, e templos esquecidos nas encostas das montanhas. A direção de arte acerta um equilíbrio raro entre realismo técnico e poesia visual. Há uma sensação constante de que o mundo está vivo uma vez que animais reagem à sua presença, o clima muda e a iluminação transforma o mesmo lugar em algo completamente novo.
Mas o mais impressionante é como a ambientação é narrativa. Ela não está ali apenas para ser contemplada, mas para contar a história do próprio Yōtei, suas feridas, seus espíritos, suas lendas.

Atsu e os fantasmas da vingança
Atsu é o coração dessa jornada. Uma protagonista marcada pela perda e pela culpa, cuja sede de vingança vai sendo moldada e testada a cada passo. A premissa, uma história de vingança, pode parecer familiar e, de novo, até um tanto clichê, mas a forma como o jogo constrói essa narrativa é o que a torna tão cativante.
Atsu não é uma heroína idealizada. Ela tem um background que explica o porque ela é tão habilidosa, mas… Ela falha, duvida, hesita. E o jogo faz questão de mostrar isso em olhares, gestos, silêncios e em diálogos. Cada aliado, cada inimigo, reflete um pedaço do seu passado e é isso que, somado ao poder de um storytelling extremamente bem feito, transforma uma trama clássica em algo emocionalmente poderoso.
E quando o legado de Jin Sakai entra em cena, Ghost of Yōtei alcança um nível de respeito e continuidade que poucos jogos conseguem atingir. A história do “Fantasma” original ecoa como uma lenda, e o modo como o jogo homenageia esse legado é de uma sensibilidade admirável que falarei mais adiante.

Combate e mecânicas: a beleza da técnica
O combate de Yōtei é um espetáculo. Ele mantém o sistema de “pedra-papel-tesoura” de Tsushima, mas agora cada arma tem identidade própria, Katana Dupla, Kusarigama, Odachi, Yari, e cada uma delas domina um estilo de confronto diferente que “countera” inimigos específicos.
Detalhe, é que completar as terefas com os sensei de cada uma dessas armas não é só um treino ou uma missão qualquer: é uma experiência e oportunidade da dar um belo upgrade na nossa personagem. A cada habilidade aprendida, Atsu ganha não apenas um especial, mas estilo! Suas técnicas ficam mais performáticas, as animações mais fluidas, e o combate, mais expressivo. Quando essas habilidades especiais se combinam com as técnicas lendárias, como as da Lâmina Tempestuosa, do conto de Ugetsu, com o uso de kunais e metsubishi, a gameplay atinge um patamar quase cinematográfico.
É um sistema que recompensa precisão, timing e ousadia. Jogar bem é belo e estiloso. E o jogo faz questão de te fazer sentir isso.

Exploração: O verdadeiro significado de “recompensadora”
Muitos jogos usam o termo “exploração recompensadora”, mas poucos o merecem tanto quanto Ghost of Yōtei. Aqui, tudo o que você faz no mapa tem um propósito real.
Cada fonte termal aumenta sua vida máxima. Cada altar de reflexão eleva seu espírito. Cada desafio, cada santuário, cada conto, cada escalada, tudo oferece uma recompensa tangível como uma nova arma, um novo traje, uma habilidade ou amuleto, que afeta diretamente a sua gameplay.
E há um detalhe brilhante: cada ponto de interesse se transforma em ponto de viagem rápida. Isso muda completamente o ritmo do jogo. A exploração não é apenas uma pausa entre missões, é o combustível que torna a jornada mais dinâmica, ágil e prazerosa. Você descobre, conquista, e depois usa esse mesmo lugar como trampolim para novas aventuras.
Os recursos coletados e o dinheiro, servem para aprimorar seu arsenal e estilo de jogo. Nada é supérfluo. Tudo te prepara para ser mais eficiente, mais mortal e mais livre.
Explorar Yōtei é, portanto, mais do que se perder, é se preparar e se transformar. O mapa te recompensa por esse “esforço”.

A missão “Conto da Lâmina Tempestuosa”: O ápice da sensibilidade
Poucas missões recentes me impactaram tanto quanto o Conto da Lâmina Tempestuosa. Esse conto não é apenas uma homenagem a Ghost of Tsushima, é um sinal de reverência máxima ao que aquele jogo representou.
A missão é bela, melancólica, nostálgica e muito, mas muito poderosa. Ela conecta Atsu ao legado do Jin Sakai com respeito e sutileza, não com nostalgia barata ou easter-egg avulso. A música, o clima, as falas, os objetos, tudo transborda reverência e emoção.
E quando as recompensas chegam como um Haiku do Jin Sakai, a Lâmina Tempestuosa, junto de itens, técnicas únicas e pedaços da história do Jin pós Tsushima, você sente que tudo isso não é apenas um prêmio, é o peso simbólico do que foi herdado. É o jogo dizendo: “O Fantasma pode ter caído, mas o espírito permanece.”
É, sinceramente, uma das missões mais bonitas e sensíveis que já vi em um jogo, em uma sequência.
Dificuldade Letal: É Desafiadora MESMO!
Para quem gosta de desafios, a dificuldade Letal é um prato cheio. Aqui, os erros não são tolerados. Um golpe errado, um parry atrasado, e você já era!
Bosses como a Kitsune e o Tokezo são testes de reflexo e sangue-frio. As batalhas contra eles são brutais, intensas e visualmente incríveis (especialmente contra o Kitsune, que cenário bonito, viu?). Mas o melhor é que, mesmo na punição, o jogo continua justo. Cada derrota ensina, e cada vitória traz uma descarga de adrenalina genuína.
É o modo perfeito para quem quer sentir o peso e a beleza do combate em sua forma mais pura.

Trilha Sonora e Som
A trilha sonora é uma obra à parte. Os instrumentos tradicionais japoneses se misturam a arranjos orquestrais, criando uma atmosfera que alterna entre contemplação e tensão.
Em momentos de calmaria, ela sussurra. Em batalhas, ela explode. E o trabalho de som é tão preciso que dá pra sentir o frio do vento e o arrasto da lâmina no ar. Cada duelo é amplificado pelo design sonoro, que torna o ato de lutar quase espiritual.
Fator Diversão
Ghost of Yōtei é divertido porque tudo o que ele faz tem propósito. A exploração recompensa, o combate emociona, a história prende, e a dificuldade desafia. Não há sistemas desnecessários, não há distrações artificiais.
Você joga, aprende, melhora, e o jogo devolve em satisfação pura. A sensação é de estar constantemente sendo recompensado: por ser curioso, por ser técnico, por ser ousado.
E quando os créditos sobem, fica aquele vazio bom, o de quem terminou uma jornada intensa, completa e inesquecível.

O DualSense Brilha
Se Ghost of Tsushima já fazia o jogador sentir o vento, Ghost of Yōtei faz você sentir o mundo.
O uso do DualSense é simplesmente extraordinário, e talvez o melhor exemplo de imersão física que a Sucker Punch já criou.
Nas fogueiras, cada estalo de madeira e sopro de vento vibra no controle com sutileza. A haptic feedback é tão detalhada que dá pra perceber a diferença entre o calor de uma fogueira comum e o crepitar intenso das brasas usadas na forja.
Falando em forja: o momento em que Atsu tempera uma lâmina ou martela o ferro é puro deleite tátil. O gatilho adaptativo reage ao impacto do martelo, e a vibração acompanha o ritmo do golpe, quase como se o jogador estivesse realmente sentindo o metal se moldar sob o peso da lâmina.
Durante os momentos de sumi-e, quando a protagonista pinta com o pincel, o DualSense se transforma em um instrumento de precisão. O traço responde com resistência suave, variando conforme a velocidade e direção do movimento, é poético, é sensorial, é arte em forma de controle.
E então vem o Shamisen, o instrumento tradicional japonês. Puxar as cordas com o gatilho e ouvir o som vibrar junto ao retorno háptico é uma experiência que ultrapassa o simples gameplay. É o tipo de detalhe que te faz parar, respirar e perceber o quanto Yōtei é um jogo pensado para ser sentido, não só jogado.
Esses pequenos momentos, forjar uma espada, tocar uma música, pintar uma lembrança ou aquecer as mãos numa fogueira, criam uma ponte emocional entre jogador e personagem. O DualSense não é só um acessório aqui: é parte do storytelling. É o elo invisível entre Atsu e quem segura o controle.

Veredito
Ghost of Yōtei não reinventa o que veio antes, ele refina.
A estrutura é familiar, mas a execução é impecável: um combate mais ágil, uma exploração mais gratificante e um enredo que abraça a dor e o perdão de forma sincera.
O uso do DualSense é uma das melhores implementações no PS5 até agora, cada interação tem propósito sensorial e narrativo, transformando o simples ato de tocar, forjar ou tocar shamisen em momentos de contemplação.
Yōtei é menos sobre o que é novo e mais sobre o que é necessário.
Um lembrete de que nem toda sequência precisa mudar o rumo do vento, algumas só precisam soprar mais forte.