A Análise abaixo não contem spoilers
Octopath Traveler 0 é um jogo que, por muito tempo, eu considerava impossível.
Nunca imaginei que seria viável pegar um jogo mobile GACHA, com mecânicas claramente predatórias de monetização, e transformá-lo em um bom jogo single-player tradicional e offline.
De forma surpreendente, o jogo prova o contrário. Ele supera minhas expectativas e me entrega uma experiência sólida, envolvente e memorável. Uma grande, épica, triste impiedosa e esperançosa jornada explorando mais uma vez o continente de Orsterra.

Um começo forte
De forma inédita na série, Octopath Traveler 0 permite que você crie o seu próprio personagem. Após os eventos de um prólogo intenso, que já deixa claro o tom mais sombrio da narrativa, o jogo se divide em dois grandes caminhos que acontecem em paralelo: uma jornada de Vingança e outra de Reconstrução.
A partir desse ponto, o jogo se expande de uma forma que não vimos anteriormente na franquia, tanto em escopo narrativo quanto em sistemas.
Jornada de Reconstrução
Na jornada de Reconstrução, o jogo coloca o jogador para administrar sua própria cidade, Wishvale, por meio de uma mecânica simples, porém bastante divertida.
Você percorre o mundo recrutando NPCs, cada um com funções específicas, e passa a construir estruturas como taverna, fazenda, casas e até um coliseu. Aos poucos, Wishvale cresce, se desenvolve e se torna uma das cidades mais relevantes do continente.
Mais do que um sistema administrativo, essa jornada funciona como uma experiência de roleplay. Ela é emocionalmente envolvente, apresenta personagens importantes que se juntam à sua party, concede bônus relevantes e se entrelaça diretamente com a história do continente.
É uma aventura exclusiva da versão de consoles que não busca complexidade excessiva, mas sim enriquecer o mundo e a narrativa.

Jornada de Vingança
Paralelamente à reconstrução, o jogo também apresenta uma missão pessoal de vingança. Após o prólogo, seu personagem passa a perseguir aqueles que lhe causaram dor, em uma trama que gira em torno de fama, poder e fortuna. Os desejos humanos que frequentemente conduzem à corrupção e ao mal.
Nessa jornada, encontrei vilões realmente tenebrosos, histórias tristes, temas como morte, miséria e luto, além de heróis e antagonistas muito bem escritos. Cada missão introduz novos membros à party, que interagem de forma direta com a narrativa, ainda que nem todos sejam utilizados simultaneamente em todos os eventos.
A campanha é extremamente memorável. Dentro da proposta, ela se equipara ao que Octopath Traveler 2 entrega e figura facilmente entre as melhores experiências do gênero JRPG.
O diferencial aqui é acompanhar tudo pela ótica de um protagonista criado pelo jogador, observando de perto a evolução política desse mundo e o surgimento de vilões que futuramente desencadearão os eventos do primeiro Octopath Traveler.
É uma jornada marcante do início ao fim.

Gameplay – Oito personagens em combate
O gameplay é muito divertido, embora não seja particularmente desafiador. Isso se deve, em grande parte, à enorme quantidade de opções disponíveis ao longo da jornada, com mais de 35 personagens jogáveis.
O sistema de combate permite combos impressionantes, builds extremamente fortes e batalhas dinâmicas. Você alterna entre quatro fileiras de dois personagens, criando uma verdadeira dança estratégica de habilidades e sinergias que se aprofunda conforme o jogador domina o sistema.
O personagem principal pode aprender qualquer uma das oito profissões principais, combinando habilidades de diferentes classes suas e dos NPCs. Esse sistema representa uma evolução clara em relação aos jogos anteriores da franquia, oferecendo liberdade, criatividade e profundidade tática.

A arte do jogo
Por ser uma adaptação de um jogo originalmente mobile, Octopath Traveler 0 apresenta gráficos inferiores aos de Octopath Traveler 2. O uso do estilo 2DHD é mais contido, com efeitos visuais menos impressionantes. Nesse aspecto, títulos como Dragon Quest 1+2 e o próprio Octopath Traveler 2 ainda se destacam mais.
Em contrapartida, o jogo entrega uma pixel art excepcional nos vilões. Cada antagonista é cheio de carisma, detalhes e identidade visual, a ponto de facilmente se encaixar como arte conceitual da franquia.
A trilha sonora, por sua vez, é impecável. Ela acompanha perfeitamente o tom da narrativa, varia conforme os momentos da história e eleva significativamente a experiência geral.

Limitações e expectativas para o futuro
Uma das críticas recorrentes à série Octopath Traveler sempre foi a pouca interação entre os personagens jogáveis. O segundo jogo avançou nesse ponto com diálogos, histórias cruzadas e um terceiro ato que unifica as narrativas.
Octopath Traveler 0 vai além. Existem personagens fundamentais em cada arco da história, além de um ato final onde tudo se conecta. Cada um dos 35 personagens recrutáveis possui conversas, missões secundárias e tarefas próprias.
Ainda assim, nem todos recebem o mesmo nível de atenção. O jogo pode evoluir na forma como lida com a composição da party durante os eventos principais. Algo mais dinâmico, talvez inspirado em sistemas como o de Baldur’s Gate 3, adicionaria uma camada extra de profundidade, embora também aumentasse consideravelmente a complexidade.
Outra limitação é a ausência de algumas evoluções introduzidas em Octopath Traveler 2, como o sistema de dia e noite. Somado aos gráficos um pouco inferiores, isso faz com que, em certos aspectos técnicos, o jogo fique abaixo de seu antecessor. Ainda assim, trata-se de uma pequena mancha em uma obra majoritariamente excelente.
Por fim, permanece uma crítica importante: a Square Enix continua negligenciando o público brasileiro ao não oferecer legendas em português. Isso limita o acesso de muitos jogadores a um RPG que merece ser apreciado plenamente, o que é lamentável.

Conclusão
Octopath Traveler 0 é um jogo sensacional. Com poucos defeitos e uma história envolvente, ele se firma como um JRPG que merece estar no panteão dos títulos obrigatórios do gênero.
Além disso, ele traz algo ainda mais valioso: esperança. Esperança de que outros jogos mobile, hoje presos a modelos agressivos de monetização, possam no futuro se transformar em experiências completas e dignas nos consoles. Talvez este seja apenas o primeiro de muitos resgates de pérolas escondidas sob camadas de sistemas predatórios. Como por exemplo o próprio Octopath Mobile (Champions of the Continent) que entrou em uma segunda fase no Continente de Solistia de Octopath Traveler II e que me deixa sim animado de vermos em alguns anos essa adaptação do mobile para os consoles.
Com uma jornada longa, personagens memoráveis e um gameplay envolvente, não tenho dúvidas em recomendá-lo. Mesmo com o preço de lançamento, considero o valor justo para uma experiência que pode facilmente entregar entre 75 e 100 horas de conteúdo de alta qualidade.
